Toda vez que passava na praça, observava um velho homem tocando seu violoncelo, recusando os trocados, apenas tocando, sempre o achei maluco.
Uma vez, por curiosidade, parei para ouvir este velho tocar em uma praça, sentei e fiquei a devagar com sua melodia, até que ele veio a mim, sem mais nem menos e puxou um assunto. Começamos a conversar e ele pediu-me permissão para uma história, e eu lhe dei.
"Lembro-me disto como se fosse ontem, das vezes que meu coração sorriu, cantarolou e sapateou, coisa que este velho e humilde coração já não tens mais o direito.
Eu era jovem, violoncelista, um instrumento que não é tão admirado quando tocado solo.
Lembro de arrastar o meu instrumento para tudo que é lugar, lustra-lo e mostra-lo para todos e até tentar arrancar alguns trocados, tocando.
Todos os dias as dez horas da manhã, lá estava eu.
Muitos paravam para ouvir, mas nenhum ficava, até que ela chegou.
Doce sorriso de menina, com a sensualidade de uma cigana, ela parou ali para me ver tocar, eu não podia reparar na mesma, mas todas as pausas que fazia era para dar atenção a ela.
Todos os dias, ela vinha logo cedo, quando eu chegava, sentava-se no banco da praça e me ouvia tocar até a noite.
Meus dedos percorriam lentamente o violoncelo, fazendo os acordes e lhe tratando como se trata uma virgem em sua primeira vez. Eu tocava com o coração e meu coração era dela.
Ela sorria ao meu ouvir tocar e eu tocava só para faze-la sorrir.
Nunca nos falamos, mas sempre trocávamos sorrisos e olhares e o mais importante, o amor pela música.
Até que um dia ela não foi me ouvir tocar, naquele dia fiquei confuso e fiquei pensando onde estaria a moça tão bela que me honrava com sua presença todos os dias.
Semanas se passaram e ela continuava ausente, neste momento, eu sofria de angústia. Não sabia onde morava, o que lhe tinha acontecido, não sabia nem mesmo o seu nome.
Minha música linda foi ficando, a cada dia, mais triste e mais feia, assim como meu coração, mais triste e amargurado.
Um dia, angustiado vi uma madame muito parecida com a moça acompanhada de um cavaleiro, aquilo me deixou furioso. Toquei com ódio, usei meu instrumento como se fosse uma prostituta barata e lhe arrebentei as cordas.
Já tinha desistido de ver a moça novamente e parei de ir tocar, grande erro meu, grande erro.
Acontece que a moça estava doente e esta era a causa de sua ausência, sua doença era fatal e no dia de sua morte, ela se esforçou e andou até aquele banco de praça e me esperou o dia inteiro, mas eu não apareci.
Fiquei sabendo disso tudo graças a um bom menino que sentara junto a moça naquele dia e me contara tudo quando voltei para aquela praça.
Me sinto arrependido de nunca ter conhecido-a mais a fundo, mas ainda mais de não ter lhe dado uma última música para ela.
Mas continuo a tocar."
Perguntei a ele: "Por que continuas a tocar? Não tocava só para agrada-la?"
E ele sorriu e respondeu: "E por isso toco, para agrada-la. Agora, por favor, me dê licença."
Então, ele se levantou e começou a tocar uma linda melodia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário